quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mais uma dose, por favor.

...e cada tempo, cada espaço, cada sopro é preenchido pelo vazio que há muito me dominara e as sombras, velhas companheiras, voltaram a espreitar, meus passos, antecipando meus gestos, embaralhando fragmentos de ideias, revelando minha natureza impulsiva, extremista, exagerada, exigente, sempre me sentindo isolada, não que isso importasse agora, na verdade nunca chegara a incomodar realmente, a opinião alheia sempre fora algo banal e a roda viva da sociedade desenfreada me fizera sentir alienada e um tanto peculiar diante aqueles que deveriam ser meus iguais, mas que não podiam diferir mais do meu modo louco de ver as coisas e assim julgá-las e vivê-las e tomá-las e entre elas me esgueirar desbravando o dédalo caótico de meu ser que é, agora mais que nunca, meu refúgio, abrigo, guarida nos dias grudentos e suarentos de verão onde pestilências nos assolam das manhãs febris até as noites pegajosas, nas madrugadas insones e insanas onde o nada se torna o tudo e perco o tudo nessa piscina de nada, nas longas tardes de inverno onde, encolhida no cobertos azul, presente da minha avó,  e que agora me deixa tão nostálgica , leio um livro e assim adormeço, entorpecida pela realidade que não é minha mas que mesmo assim eu tomo e embalo porque a ilusão e o apego fazem parte de mim,  assim busco uma forma de amansar aquela fera presa entre os emaranhados de meu peito, uma confusão tamanha que me perdi ali e nunca me dei o trabalho de ir me caçar, assim, perdida, fico mais confortável, o perder-se me acompanha desde meus primeiros passos, já errôneos e minhas primeiras palavras incontidas e petulantes, palavras que desencadearam em mim um ardor sem igual, palavra que move, aquece, modifica, transforma, reforma, arrasta, enlouquece, inebria, inebria como aquelas mãos que em minha pele deixam rastros de fogo, impulsos, desejos, ah, quão animalescos somos, esquecemo-nos, surtamos, perdemo-nos entre braços e abraços e carícias e afagos e contos e versos e canções e verões e num ápice nos consumimos e eclodimos e fechamos os olhos como quem pausa uma cena, rebobina a fita, assim reviro uma, duas, três, mil vezes mais minha memória, já tão ferida, na vã tentativa de reter um tempo que não mais voltará e o faço mesmo sabendo o quanto irá me machucar e assim me cego, piro e vou indo, levando, tocando, um dia rock, outro soul, i’m a country girl, faço moda, faço nada, faço birra, faço amor, selvagem é a realidades desses feitos, selvagem é o que somos, selvagens, loucos de pedra, carentes, descontrolados, perversos, reversos, e sim e não e sobrevivemos mais uma segunda-feira, empurrando até a sexta, levando a hipocrisia um pouco maia adiante e nos entregamos a devaneios tolos, queremos fugir do real e sentir o desapego abrasador mas não adianta ela ruge ela quer nos devorar ela avança na calada da noite ela puxa meus pés, me sacode, me descobre, me deixa nua diante de sua crueza, ah, a realidade não poderia ser mais severa e por isso me enveredo nesses caminhos, nessas estradas pouco gastas, nessas rotas longínquas para longe de tudo, longe de ti, longe de mim, e cada vez mais perto do vazio absoluto, me afogando nesse deserto, nessas águas imóveis que relutam em levar tudo isso para algum lugar distante, onde não possam mais me atingir, me alcançar com essas lembranças afiadas enquanto eu afundo nesse vasto triângulo de desesperos e assim, submersa, me aproximo do que seria a verdadeira chance de ser inteiramente feliz, a solidão total, só não experimentando o amor e seus apelos é que não se conhece a dor, só vivendo o vácuo para não sentir o dilaceramento causado pela falta, pela abstinência, e enquanto tudo isso não se encaixa eu vou pedindo mais uma dose, mais uma dose, por favor...

2 comentários:

  1. Não sei se gosta, mas teu estilo me lembrou muito Caio Fernando Abreu, que é um escritor que gosto bastante. Apesar da comparação, senti que tens um estilo próprio. Gostei muito, especialmente dessa frase: "num ápice nos consumimos e eclodimos e fechamos os olhos como quem pausa uma cena, rebobina a fita". Espero lê-la mais vezes.

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  2. Caio F é, se não o, um dos meus escritores favoritos. Sou uma ávida devoradora de seus livros, contos, cartas. Sabe quando a gente escreve algo e no começo acha estranho, num segundo momento ama e depois odeia? Foi assim com esse texto, depois de escrito achei uma porcaria, fico feliz que tenha me levado de volta ao encantamento inicial de quando o escrevi. Obrigada, mesmo.

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